Estamos mais ou menos há um mês em estado de emergência em actuação. Mas claramente nenhum de nós está a contar.
No geral a minha vida normal manteve-se… só porque (ainda) saio de casa para trabalhar e fui ao supermercado uma vez em três semanas. No entanto sou enfermeira. Tenho estado calada, atrás das linhas, sobre este assunto do COVID-19 mas, chega a uma altura em que é difícil ficar calada. Chegou essa altura para mim. Fazemos esta profissão sempre com a ideia que algo pior pode acontecer, isso nunca nos abandona, mas julgamos que isso acontece trinta vezes por turno. Nunca, em tempo algum, pensei ser enfermeira em “tempo de guerra”.
Nunca, em momento algum, prepararam-me para uma pandemia. Na faculdade falámos em hipotéticos e em casos que já tinham acontecido há dezenas de anos. Falámos sobre o que acontece. Não falámos sobre o nosso papel nisto tudo. Ninguém pensa nisso. É o worst case scenario de todos os Países mas, cá estamos.
Nada nos prepara para isto. Nada nos prepara para estarmos a viver com as nossas liberdades condicionadas. Nada nos prepara para vivermos em sociedade desta forma e, se calhar por nada nos preparar para isto é por isso que estamos assim. Arrepia ver as ruas vazias.
Uma das piores coisas que estamos a viver é a incerteza. Estamos todos no mesmo barco sem saber qual é o dia de amanhã. No Hospital, sempre que vou fazer turno, já mudou tudo, de um dia para o outro. Não trabalho num serviço de urgência nem nas unidades críticas que estão a receber estes doentes, não. Mas trabalho num serviço igualmente crítico.
Vamos, todos os dias, trabalhar com o coração nas mãos. Com o nível de ansiedade a mil. Com todos os cuidados e mais alguns. No serviço tenho, a meu cargo, duas vidas de cada vez (mãe e bebé) multiplicado pelas vezes que tiverem de ser. No meu serviço temos de ser colo e ombro amigo.
Continuam a nascer bebés no meio desta pandemia. E isso é tanto uma luz ao fundo do túnel como uma adaga no nosso coração já pequeno e apertado pelos nossos. Ser enfermeira é ter a capacidade de nos pormos no lugar dos outros mas, é rara a vez que se põem no nosso.
O Hospital onde trabalho, nos últimos tempos, tornou-se num sítio onde funcionam poucos serviços: urgências, neonatologia, bloco de partos e internamento de obstetrícia. O outro, a grande fatia, é internamento para COVID. Trabalho na ala da vida, enquanto há pessoas a ser vigiadas numa ala em que a taxa de mortalidade não sendo por ai além, é alarmante.
Temos todos a vida em suspenso. Parece que é asneira e ilegal pensarmos em alguma coisa que não seja esta pandemia. Tenho novidades incríveis para partilhar com os meus, mas nem as consigo celebrar porque parece sempre descabido. Tenho fotografias das férias para partilhar, mas é impróprio porque deveríamos estar todos em casa.
Isto de estar no epicentro da acção o que tem de bom, tem de mau. Se calhar escolhi a profissão errada porque nunca pensei estar a viver isto mas, na verdade, não me imaginava a fazer mais nada. Temos medo mas seguimos firmes. Estamos ansiosas mas sorrimos.
Saio de casa com um nível de ansiedade tal que só me apetece desatar a chorar para conseguir ir fazer o que escolhi e tratar daqueles que não conseguem tratar deles no momento. Já disse: vou com medo. Mas vou com um sorriso (mesmo que neste momento esteja atrás de uma máscara). Vou com a motivação possível fazer companhia às minhas companheiras de batalha que também deixam tudo à porta do serviço. Estamos todas para o mesmo.
Já disse que sou enfermeira, mas não disse que estou chateada. Estou chateada por as pessoas saírem de casa para irem para o paredão quando a indicação é ficar em domicílio o mais possível. Estou aborrecida com o gozo perante esta situação que muitas pessoas fazem para mostrar o chicho-espertismo que tanto odeio. Estamos exaustos. Queríamos ficar em casa também mas não podemos.
Mas isto não é sobre mim, é sobre todos. Odeio estar a repetir o que toda a gente já disse, mas sejam civilizados.
A melhor homenagem que nos podem fazer é cumprir aquilo que vos dizem. Não queremos palmas porque no fim esperamos todos conseguir aplaudir, como iguais, o esforço e trabalho de equipa.
A LER: A Vida no Covidário: Somos todos heróis, mas há uns mais que outros…
Beatriz Ribeiro diz
Muito força!
Ana Garcês diz
Obrigada, Beatriz!
Inês Martins diz
Obrigada por aquilo que fazes por todas as mães que te chegam e pelos seus bebés. E força para continuar esta luta.
Um beijinho gigante,
https://inescm2.blogspot.com/
Ana Garcês diz
Seguimos todos fortes, é o que interessa!
Beijinhos!
Carolayne T. Ramos diz
E por muito tempo que passe, é bom que nenhum de nós se esqueça, em momento algum, do vosso trabalho! Muito obrigada! ♥
LYNE, IMPERIUM BLOG // CONGRESSO BOTÂNICO – PODCAST
Ana Garcês diz
Obrigada eu, por seres um ser humano incrível <3