Os millennials são um grupo impossível – e contra mim falo, que sou uma. Estamos sempre nesta busca infinita de satisfação pessoal porque aparentemente somos sempre descontentes. Não nos chamaria disso, prefiro antes inconformados. A verdade é que ser inconformado não é mau, mas pode ser um bocadinho excessivo caso nos percamos neste jogo terrível que é a comparação com os outros.
As coisas pioram quando acabas uma licenciatura e te deparas a querer entrar no mercado de trabalho. Como fazer com que o teu CV se destaque no meio de mais infinitos peixinhos a nadar no mesmo oceano que tu? Quanto vale o meu trabalho? Será que vou conseguir trabalhar seja no que for?
Não é fácil viver na cabeça de um jovem-adulto de agora. Para nós já não existem trabalhos para a vida – muito porque procuramos sempre mais e melhor e, na mesma dose que somos inconformados, também somos destemidos. Não temos medo de largar tudo e partir para outra se acharmos que isso é o melhor para nós. Mas bom, estou a perder o foco.
Esta introdução gigante serviu para falar sobre oportunidades: aquelas que juram que não podemos perder, aquelas que surgem quando ninguém está à espera e julgamos ser o melhor para nós e aquelas que não sabíamos que queríamos até nos aparecer à frente.
Recentemente comecei esta jornada de encontrar trabalho. Fui a algumas entrevistas: umas para a minha área de estudos e outras para umas nada a ver e, daqui, consegui tirar algumas conclusões. Vou-vos contar as histórias.
A primeira entrevista para Enfermagem que fui foi um fiasco. Cheguei ao sítio e tudo foi tão rápido que dez minutos depois estava despachada. Não achei normal não quererem saber sobre o meu percurso académico até agora, não achei normal não quererem saber aquilo que eu tinha para oferecer nem quererem saber de mim sobre pessoa. Não achei normal ainda nem estar sentada na cadeira e já estarem a dizer para assinar contrato. Tive um mau pressentimento mal entrei e, no fim da entrevista (que nem deu para aquecer a cadeira), soube que ali não era para mim. Não quero trabalhar num sítio que me tratem como se fosse mais um número. Para muitos pode ser considerado uma oportunidade perdida, para mim foi paz de espírito.
Mais tarde, nesse dia, tive outra entrevista para uma área nada a ver com a minha de licenciatura mas para uma coisa que achava que tinha tudo a ver comigo: brand manager, content creator e social media master. Achava que era a pessoa indicada para o papel, não só porque já ando nesta vida há imensos anos mas também porque sinto que consigo pensar fora da caixa e, se me dessem a plataforma certa para isso, conseguiria fazer coisas incríveis. Sabia, desde de início, as condições que me ofereciam para o trabalho no entanto a pessoa que me queria contratar sempre me disse que podíamos discutir e falar sobre contra-propostas. Até que não foi assim. Quando pensei em todo o trabalho que ia ter, que ia ter horas para entrar e não ter horas para sair, o que implicaria aceitar esse trabalho e todas as outras variantes e equações que foram surgindo (logo a mim, que sempre odiei matemática), aquilo que me ofereciam não era ideal. Enviei uma contra-proposta, com todos os motivos por estar a fazê-lo e a justificar todas as minhas contra-argumentações, pedi para oferecerem como ordenado base o tabelado para enfermagem – que não era muito diferente daquele que me estavam a oferecer inicialmente mas que iria fazer a diferença –, e apresentei todos os custos. Fui descartada como um trapo velho. Depois de uma semana de promessas que me iam responder ao e-mail.
As pessoas falam muito em ghosting nos relacionamentos, mas também existe entre entidades empregadoras e futuros empregados. Este aborreceu-me mais que o outro porque, na altura, julgava que era mesmo aquilo que queria fazer. Levaram-me a crer que eu era mesmo a pessoa que estavam à procura e depois, quando estou pronta para negociar como me foi prometido, fui descartada. Ficou pendente o assunto com mensagens por ler no WhatsApp.
Depois de assentar poeira e ter encontrado o Norte da minha própria bússola, cheguei à conclusão que esta era uma daquelas oportunidades que nós até podemos estar a perder, mas quem nos deixou ir ficou bem pior. E que não podemos deixar a nossa vida em suspenso à espera de uma resposta positiva que pode nunca vir.
Vai dai, dias depois, tive outra entrevista para algo relacionado com Enfermagem e, desta vez, o encaixe foi maravilhoso. Foi uma entrevista de uma hora, em que impressões foram trocadas, em que perguntaram sobre mim, sobre quem era a Ana como pessoa e não só a Ana como enfermeira, me perguntaram o que eu esperava, como via a minha vida num futuro próximo, se isto era uma oportunidade que me interessava, que iam entrevistar outras pessoas e que Quarta-feira me ligavam com novidades. E ligaram a me oferecerem o trabalho, que eu tinha sido a candidata favorita e que ficariam muito contentes se pudessem contar comigo.
Aquilo que precisam de compreender é que, no meio disto tudo, tinha ido a mais entrevistas. Uma delas para a minha vaga de sonho, num hospital muito bom. Achei que a entrevista não tinha corrido muito bem, porque me tentaram oferecer trabalho em sítios que eu não queria. Não sei se foi por ousadia ou teimosia, mas mantive-me firme naquilo que queria e fui sincera. Após a entrevista, cada parte foi à sua vida e esqueci-me disso.
Aceitei o outro trabalho: as regalias eram boas, o horário era incrível e parecia um bom ponto de partida para a minha carreira.
Até que me ligaram do outro sítio a me oferecerem o meu trabalho de sonho.
E eu aqui parei. Tive de ponderar todos os prós e contras, entender aquilo que fazia mais sentido para mim (agora e depois). Nem todas as decisões podem ser baseadas em dinheiro apesar de ser um factor também importante. Um dos sítios era privado e o outro era público. No privado pagavam-me bem os feriados e tinham um subsídio de transporte, no público oferecem-me seguro de saúde e pagam horas extras.
O privado tinha sido a oportunidade que eu não sabia que queria, e que acabei por aceitar porque estava com medo de não encontrar mais nada que pagasse tão bem. Mas qual é o preço da minha felicidade? Não acredito muito nesta coisa de exprimir para o Universo aquilo que queremos para nós mas, acho que inconscientemente o fiz quando, no terceiro ano, consegui compreender, finalmente, a área que gostava e aquilo que queria fazer para o resto da minha vida profissional. Mesmo que não hajam trabalhos para sempre.
Há coisas que um projecto de enfermeiro nunca se esquece: a primeira pessoa que cuidou, a primeira pessoa a quem colheu sangue, a primeira morte, as primeiras lágrimas de familiares, as primeiras más notícias que temos de dar, a primeira chamada a meio da noite a horas que sabemos que nada de bom pode ser, o primeiro recém-nascido que seguramos, o primeiro parto que assistimos…
No fim do dia, cheguei à conclusão que, sim, vou ganhar menos, provavelmente vou trabalhar muito mais mas vou ser tão mais feliz. E recusei o trabalho no privado. Mesmo depois de o ter aceite. Chamem-me inconformada, mas ter a oportunidade de trabalhar na minha área de sonho logo em início de carreira é incrível. E eu trabalhei imenso para isso. E pelos vistos o Universo retribui. E esta era na verdade a oportunidade que eu queria ter mas que não julgava possível.
Uma colega de estágio uma vez disse-me que eu estava em casa naquele serviço. Que entrava com um sorriso e saia com um maior. Que parecia que andava nas nuvens e que mesmo que as coisas estivessem a correr mal, eu gostava de ali estar, a viver aquilo. Se calhar isso também ajudou.
Nuno Reis diz
Ter duas oportunidadees seguidas num emprego que não está a viver bons momentos em Portugal, e sendo alguém em início de carreira, é muito bom.
Boa sorte e que mantenhas esse sorriso do estágio no trabalho “a sério”. Imagino que te cruzes com muita gente conhecida pelos melhores motivos!
Ana Garcês diz
É mesmo incrível ter consigo esta oportunidade tendo em conta o panorama actual! Mas também fiz por isso x)
Obrigada!
Inês diz
Adorei o post 🙂 Uma questão de quem não é da área: obstetrícia e neonatalogia são dois serviços diferentes ou fazem parte da mesma área de trabalho?
Ana Garcês diz
Obstetrícia envolve muitas coisas: acompanhamento da gravidez, pós-parto imediato e tudo o que isso implica – a gestação, o parto… é, em resumo, o ramo da medicina que estuda a reprodução na mulher.
Neonatologia já é considerado do ramo de pediatria e trata crianças desde do nascimento até aos 28 dias de vida – quando elas passam de recém-nascidas para lactentes 🙂
São portanto dois serviços diferentes, uma vez que pertencem a áreas de actuação diferentes!
Sofia Costa Lima diz
Estou muito contente por ti! Não só por ires trabalhar onde tanto querias mas também porque, de facto, te tornaste enfermeira! Não foi um percurso fácil, mas conseguiste. Agora é a parte de, como dizia alguém, seres grande para o mundo!
Bruna Reis diz
Um dos posts que mais gostei de ler, de sempre! Boa sorte, Ana 🙂
Andreia Esteves diz
Para alguém que acompanha o teu blog há tanto tempo, lembrar das dificuldades com Matemática, da tua entrada na licenciatura e ver-te agora já enfermeira é incrível – muitos muitos parabéns!
Bruna Gomes diz
Obstetrícia é uma área tão bonita!! Parabéns querida Ana, que o futuro te reserve coisas ainda melhores e que venças muitas vezes Quem sabe um dia ainda seremos colegas beijinhos
Ines | Wit Konijn diz
Yay! Que noticia fantástica! Muitos parabéns!! Mas porque é que no mundo das entrevistas é sempre assim, ou nada ou tudo de uma vez quando se menos espera? Estranho, mas fico muito feliz por teres tido a oportunidade que querias mesmo depois da tempestade.
Muitos beijinhos