Há tempos perguntaram-me – e passo a citar – como é que gostava realmente de ser enfermeira. Admito que a resposta não foi fácil, muito bonita e muito menos certa. Não há respostas certas para se responder a isto até porque um dia vamos estar de bem com esta vida que escolhemos (e que acredito nos escolhe um pouco a nós) e noutro com vontade de mandar tudo às urtigas e que se lixe.
A verdade é que, e isto pode parecer cliché, gosto de enfermagem porque depois de um dia de trabalho fico com a minha consciência tranquila de que fiz o melhor que pude e que sabia para ajudar determinada pessoa. Gosto de enfermagem porque quer em fim – ou início de vida – estou a melhorar alguma coisa a alguém. Gosto de enfermagem porque se a pessoa estiver para morrer e eu lhe conseguir dar um fim digno, darei. Gosto de enfermagem muito pela parte das pessoas e daquilo que levo delas e elas de mim. Chamem-me iludida ou idealista mas eu gosto de enfermagem por aquilo que me ensinaram na escola que esta era logo no início: pessoas para as pessoas.
Se vão entrar no curso e esperam sentir uma paixão imediata… podem já desistir. A probabilidade disso acontecer é reduzida. A enfermagem não pode ser vista – nem sentida – como aquela paixão assolapada de três meses de Verão que são tudo um para o outro e é amor eterno mas chegando a Setembro a coisa abranda. Não. A enfermagem é aquele amor-companheiro. Aquele amor-amor. Aquele amor que os casais casados há mais de 50 anos sentem pelo parceiro. Não são chamas e labaredas intensas, mas sim um fogo que arde sempre e nunca se apaga. O amor pela enfermagem é confortável mesmo quando a profissão nos atira bolas curvas e nos tira da nossa zona de conforto.
Quatro anos e muita merda depois sei qual seria o meu emprego de sonho nesta área tão vasta e é isso que me conforta. É assustador termos de passar por todas as áreas na esperança que nos identifiquemos com alguma. Algumas vezes sabe-se imediatamente outras (como foi o meu caso) temos de penar mais um bocadinho para encontrar o nosso cardume de peixinhos. Para mim é o início de vida, os recém-nascidos e tudo aquilo que eles acarretam. Sinto-me em casa nesse tipo de serviços. Para outros é psiquiatria, para outros medicina, paliativos… e podia continuar a lista.
No fim, somos todos uma cambada de miúdos, ainda encantados com aquilo que podemos fazer pelas pessoas (e aquilo que as pessoas podem fazer por nós), com aquela esperança inocente de crianças de onze anos à espera de receber a carta de Hogwarts. Só espero que quando tivermos a certeza que a carta não vem, que esse amor-companheiro pela profissão que nos vai roubar tantas horas, feriados, festas e momentos em família não morra. Porque o sistema precisa de mais como nós. E eu tenho esperança desta nova geração de enfermagem que para ai vem.
Mara Gonçalves diz
Grande grande verdade! Só quem está por dentro sabe… Gostei muito! Um beijinho
Catarina Vasconcelos diz
Querida Ana, ou melhor, querida colega, que bonitas estas tuas palavras. A enfermagem é um caso complicado. Falo por mim. Fui casada com ela durante dez anos!! Um casamento com altos e baixos, com momentos de paixão ardente e outros de muita desilusão. Ao fim de dez anos, decidi pedir o divórcio, não porque tivéssemos deixado de nos amar mas, como em qualquer relação, nem sempre o amor é suficiente.
Gostei particularmente desta tua frase: “No fim, somos todos uma cambada de miúdos, ainda encantados com aquilo que podemos fazer pelas pessoas”. Porque era assim, foi assim, que me senti quando terminei o curso. Acreditava que ia trabalhar no inem e depois nos médicos sem fronteiras!!! Ou, então, uma uci qualquer, depois de lá ter estado seis meses em estágio. A verdade é que esse sonho esmoreceu. Trabalhei em tudo, desde uma urgência cirurgica, bloco, (no UK e em França) lares, clínicas, saúde comunitária. E acredito que muito do que sou hoje o devo a esta profissão agridoce.
Tenho esperança na tua geração, que está quase a terminar o curso. O sns precisa de sangue novo, de pessoas dispostas a lutar nesta fase densa em que se encontra a profissão.
Na verdade, acho que continuarei a sentir-me um bocadinho enfermeira para sempre (como as mulheres ou maridos que mantêm o nome do cônjuge após o divórcio eheh)!
Boa sorte, Ana! Serás uma super-enfermeira, estou certa disso.
Um beijinho!
Catarina
Ines | Wit Konijn diz
Só te posso dar os meus parabéns e agradecer por tudo o que fazes. Tu e todos os enfermeiros, especialmente os que se possam sentir menos apreciados, pois o vosso trabalho é tão essencial.
Adorava ter estômago para um dia ser doula. Eu sei que não é a mesma coisa nem pouco mais ou menos mas apesar de parecer tão simples requer uma estabilidade e força emocional que me deixa a duvidar se teria neste momento capacidade para tal. Até lá vou agradecendo e tentando reprimir a vontade que tenho de abraçar enfermeiros, doulas, médicos e todas as pessoas que nos ajudam de braços e coração aberto nos momentos mais vulneráveis. Essa deve ser a melhor paga de sempre.
Um grande beijinho
Zosia diz
Que declaração tão bonita à tua profissão. Que essa chama de amor não se apague muito, precisamos muito de pessoas mais humanas nos nossos serviços <3