#MeToo para todas as ocasiões que deixei de usar saias – que prefiro – e passei a usar calças para não ter que ouvir comentários despropositados.
#MeToo a todas as vezes que homens me deixaram desconfortável com comentários sobre o meu corpo e que, quando mostro descontentamento, ignoram e dizem que me devia sentir lisonjeada com o elogio.
#MeToo para as conversas estranhas que colegas homens, médicos internos e pacientes já tiveram comigo só porque tenho dois palmos de cara. #MeToo ainda para quando ignoram a minha opinião profissional e pessoal só porque sou mulher e o meu conhecimento não vale tanto quanto o deles.
#MeToo a todos os piropos que não pedi, a todas as frases de engate ordinárias que ouvi, a todos os toques indesejados nos transportes ou sítios públicos só porque pensam que o meu corpo lhes pertence e não a mim.
#MeToo para as caras incrédulas dos meus amigos homens quando lhes falo destas situações e eles respondem com um de certeza que não é assim tão mau. #MeToo às vezes que tenho medo de andar sozinha na rua à noite, e que dou por mim a olhar por cima do meu ombro mais vezes do que aquelas que quero, com as chaves de casa entre os dedos da mão, só porque nunca podemos ser prevenidas o suficiente.
#MeToo ao grupo que estava numa despedida de solteiro num hostel em que fiquei uma noite que por estar a usar vestido me estava sempre a assobiar, a fazer comentários ordinários e que me fez sentir muito pouco confortável na minha pele. #MeToo a todas as vezes que não os mandei passear.
#MeToo a todas as vezes que me dizem para ignorar quando alguma coisa me deixa desconfortável. Que boys will be boys. Que sou demasiado sensível.
#MeToo à quantidade absurda de vezes que ignoram as minhas opiniões, dizem que estou a exagerar e que quando estou triste ou zangada me perguntam se estou com o período.
#MeToo à vez em que tive de pedir a uma estranha para fingir que me conhecia porque era tarde – tinha acabado de sair às onze de um turno e chegado à estação à uma e meia da manhã -, tinha acabado de sair do comboio e havia um homem a seguir-me de maneira muito pouco discreta. #MeToo a todas as vezes que me senti encurralada e indefesa por causa dessas situações.
#MeToo à geração de homens – e mulheres – que estamos a ajudar a criar. Que acham que estes tipos de comportamentos são normais e devem ser encorajados.
#MeToo a todas as vezes em que ignorei os comentários para não fazer uma cena, em que compactuei com as situações porque não me defendi. #MeToo porque a culpa também é minha.
Eu não quero ter que desviar os meus olhos na rua, nunca mais. Eu não quero ter que segurar as chaves na mão, nunca mais. Eu não quero ter que mandar uma mensagem aos meus amigos sempre que chego segura a casa, nunca mais. Eu não quero ter que ser cautelosa nos transportes públicos, nunca mais. Eu não quero fazer-me pequena, nunca mais. Eu não quero ter o meu plano de fuga todo estudado da minha cabeça, nunca mais. Eu não quero ouvir vozes masculinas a gritar comigo dos seus carros quando ando na rua, nunca mais. Eu não quero que ditem aquilo que devo ou não vestir, nunca mais.
Eu não quero ter que ler mais #MeToo, nunca mais. Não porque ache que eles não são necessários. Não quero lê-los porque confirmam aquilo que já sei: que é necessário milhões de pessoas revelarem as suas feridas em praça pública para que se comece a acreditar na dimensão disto.
Eu não quero ter que escrever esta publicação, nunca mais. Eu não quero ter que pôr as minhas experiências à vista de todos, nunca mais. Eu não quero ter que explicar – nunca, nunca mais – que o assédio sexual e os abusos da mesma natureza não têm nada a ver com sexo, mas sim com poder.
A verdade é que isto não é novidade para ninguém. Todos nós, de certa forma, já passámos por isto. As estatísticas são assustadoras. Em todo o Mundo, uma em cada seis mulheres já foi vítima de algum tipo de assédio sexual. O resto vive num Mundo onde isso é permitido acontecer.
Não me visto de preto da cabeça aos pés, mas #MeToo. E no que depender de mim… nunca mais.
Nuno Reis diz
O problema é na tua lista e de muita gente quase não haver casos isolados e serem situações recorrentes. São casos que se repetem vezes sem conta e se consideravam normais sem pensar novamente. O MeToo veio mudar um pouco as coisas, ainda que só tenha alterado a forma de pensar dos que eram menos maus. Ainda há muitos no limiar do crime de assédio que precisavam de um susto legal, de aulas educação cívica ou de dois dedos de testa antes de poderem sair a público.
Mas olha que mandar uma mensagem ao chegar a casa não tem de ser um #MeToo, é preocupação que pode ser apenas por ser tarde e estares cansada. Quando eu tinha a tua idade era sempre que voltava da noite e para muita gente. Agora é mais raro e para menos gente porque acham que assim que chegamos a casa vamos fazer algo online, mas há sempre alguém que se lembra de pedir mensagem e sabe muito bem 🙂
Joaninha diz
Meu Deus, estou completamente sem palavras! #MeToo tudo isto e muito mais, #MeToo por nunca mais ter que falar disto, um sonho que espero um dia alcançarmos enquanto sociedade.
Esta ode, este apelo, esta publicação devia ser imortalizada – apesar de já o ser! – e chegar aos ouvidos e olhos de todas as pessoas no mundo.
Estiveste ausente, a preparar as mudanças no teu blogue, que estão incríveis, deixa-me que te diga, e voltaste mais forte do que nunca. Gosto, gosto, gosto. Obrigada por isto, Miss Garcês!!!! ⚡